Sem abrigos são pessoas!

      Os sem-abrigo não se deixam caçar, nem classificar, ocupam o espaço de outra forma e muito mais passivamente o seu tempo. Nos espaços públicos, nos seus percursos, parecem dirigir-se para lado nenhum, nunca fazer nada, ou servir ninguém. Por isso, tornam-se aos olhos da maioria dos seus concidadãos um objecto estranho, de agitação radical, incómodo, em suma. Curiosamente, esta estranha inquietação desvalorizadora por parte da sociedade, começa também, cada vez mais, a ganhar espaço no campo da apreciação do comportamento das pessoas que têm um estilo de vida mais sedentário.
     No entanto, uma coisa é certa. O sem-abrigo não pode continuar a ser considerado como um "corpo estranho no caminho", que está ali por acaso e que se torna necessário e urgente proteger, abrigar, ou imobilizar no espaço. O sem-abrigo tem também uma alma, quer dizer, mais prosaicamente, uma dinâmica interior, feita de recordações, de sentimentos, de desejos e mesmo de expectativas. Como cidadão, ele tem direitos, aliás, uma realidade que temos frequentemente tendência a esquecer. Ele tem o direito de utilizar os espaços públicos, de deambular nas ruas, de se sentar nos parques, de abordar e falar aos passeantes, ou de se sentar tranquilamente num estabelecimento para tomar um café.
Mas quer isto dizer que não há soluções? Que a única coisa a fazer é a aceitação das coisas tal como estão ou a frequente dádiva envergonhada. Não, claro que não. As pistas de solução existem e esperam, para serem colocadas em prática, maior dedicação e empenhamento da parte dos nossos políticos.
Entretanto, por que não começar por respeitar um pouco mais as pessoas, considerados por muitos, como "o errante, o sem-abrigo, o mendigo, o vagabundo, o sem domicílio, o marginal - variedade de termos que descrevem uma condição de vida fundada sobre a indigência, a instabilidade residencial e a exclusão". Por que não aproximarmo-nos delas, fazendo-as sentir que as consideramos mais do que um corpo vazio e sem sentido. Por que não começarmos a tratá-las como alguém que pertence à mesma sociedade, que não é uma ameaça ambulante que deve ser permanentemente punida e controlada socialmente.
Porque não
?




Escrito por RazãoDoVazio